A melhor versão de mim
Eu estava ouvindo, não pela primeira vez, um podcast de uma renomadíssima psicóloga, enquanto lavava a louça. Não me lembro exatamente qual era o tema do episódio em questão, mas ela estava falando e dando dicas sobre como criar hábitos, ser mais disciplinado, e coisas do tipo, e eu estava com a mesma sensação que tenho em algumas das vezes que a ouço.
Senti que queria ser mais como ela, que é muito boa em tudo que se propõe a fazer, mas também me senti mal, até meio perversa, por saber que na verdade não ia fazer tudo aquilo que ela estava me dizendo para fazer, porque achava que ia exigir mudanças demais, ser difícil demais. Foi ruim, de certa forma confortável, mas ruim, porque eu sabia, no fundo, que eu não deveria desistir de ser "a melhor versão de mim", porque afinal ela era a única que teria o direito de respirar em paz em algum momento, se sentir suficiente, em algum momento.
Isso me fez achar que o resto do dia seria triste e melancólico, quando o episódio acabou e outro do PodPah começou a tocar. Eu nem conhecia os convidados da vez e não estava interessada naquele episódio, mas só ouvir a voz do Igão e do Mítico me fez sentir uma lufada de alegria e esperança... era como se de repente tivessem me lembrado que havia sim um lugar ao qual eu pertencia e poderia alcançar tantas coisas quanto eu quisesse, e tudo isso graças a outro episódio também do PodPah, que eu havia escutado há pouco tempo: o do Silvio Almeida.
Permita-me explicar:
O Silvio Almeida tem 47 anos e é um advogado, professor universitário e atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil. Saber disso e vê-lo naquele terninho não nos faz pensar que ao ser entrevistado por Igão e Mítico ele diria que adora tocar guitarra, como fazia na adolescência, e nem que defenderia com didática e descontração, sua posição de que o Capitão América merece respeito.
Foi muito importante ouvir o que é, de fato, o Ministério dos Direitos Humanos, para além de estereótipos, saber o que está sendo feito atualmente para que o Brasil se torne o país muito mais igualitário que pode ser, e tomar consciência do porquê alcançar tal objetivo é tão difícil e exige tanta burocracia. Mas o que mais me tocou foi o conjunto da obra.
Sair da rede pública, na qual sempre estudei, para fazer o Ensino Médio em uma escola particular me deixou um pouco confusa. Eu achava que, tendo acesso a uma das melhores metologias de ensino, e não precisando trabalhar, não faz sentido que eu tenha tanta dificuldade para me organizar e precise passar horas estudando a mesma coisa, muitas vezes durante a madrugada, para ter um desempenho que ainda não é o ideal (meu ideal) e não lembrar direito o que eu estudei, uma semana depois da prova. Sendo que eu deveria lembrar do máximo possível no vestibular, que está cada vez mais próximo.
Eu não sei você, caro leitor, mas esse texto está com a cara mais chata do mundo para mim, desde o começo. Não aguento mais esse assunto, não aguento mais ter medo, por desconhecimento, do vestibular. Mas eu ainda não concluí meu raciocínio.
As diferenças entre mim, Silvio Almeida, Igão, Mítico, e o homem aranha do Miles Morales (ele me inspira muito) são óbvias, minha adolescência está sendo muito mais privilegiada do que a deles, e eu sou uma menina branca e loira. Mas temos uma coisa em comum, a coisa em comum, que se não me engano, o próprio Mítico explicou uma hora: nós cinco, e o atual público desse blog, não somos herdeiros, e se não trabalharmos, não teremos nada que nos ampare. Nunca chegaremos nem perto de ter o capital que o Elon Musk tem (por ser herdeiro). Na verdade, estamos muito mais próximos da realidade da pessoa mais pobre desse país do que da do Elon Musk.
É isso que nós somos. Somos o povão, somos quem mais trabalha, quem dá o sangue todos os dias, sem não ter nem ideia do que é ter uma vida em que você compra à vista, o melhor apartamento, na melhor área da cidade, e pode mudar a decoração inteira de uma hora para outra, só porque enjoou dela depois de um ano. Sim, essa realidade existe.
E se você pensou que "cara, eu nem preciso de tudo isso, eu só queria ter minha casinha própria, humilde, sem ter que pagar aluguel", eu concordo com você, e será que é tão difícil que a população inteira tenha isso também, se tem um povo com a realidade que eu descrevi acima? Viver no Brasil é deprimente.
Sabe, não é sobre o nosso esforço. Eu passei as últimas duas semanas usando todo o tempo que pude para estudar, fazer tarefas domésticas, cuidar de todos os meus gatos. Faltei em coisas importantes para mim, enfim. Cada escolha foi consciente. E mesmo assim meu desempenho não foi tão bom como poderia ser. Mas quando eu disse isso para a minha mãe e ela me perguntou qual era, afinal, a necessidade de ser a melhor, eu respondi que, é que eu poderia ter feito mais, eu não fui como deveria ser. Então ela parou o que estava fazendo, me olhou e disse que eu sou exatamente como deveria ser.
E como não seria? Não tem uma outra versão da Julia com a qual eu possa me comparar. Estudar, trabalhar, domar nossos extintos selvagens, não é fácil, mas também não é linear, não é perfeito. Você sabe que está tentando e claro, revoltantemente ainda depende da sua realidade, mas muito provavelmente você vai chegar "lá", por mais que demore.
A Alana Anijar, a psicológa maravilhosa que eu citei no início, também é como nós, eu só tive mais dificuldade de enxergar que cada um tá seguindo o seu caminho, e eu, o meu. Foi um divisor de àguas ouvir a abertura do PodPah naquele dia, e imaginar a mim mesma apresentando o meu próprio podcast, em que eu falaria sobre o Ensino Médio, as diferentes realidades socioeconômicas de quem o faz, entre outras coisas. É o princípio da representatividade... às vezes, o que você precisa não é mudar de realidade, mas ver quem você acompanha falando sobre ela.
Cada um de nós temos nosso próprio podcast. E somos exatamente como deveríamos ser: incompletos, e incansavelmente esforçados. Agora vai descansar, amanhá já é segunda-feira de novo.
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