Quando não se quer estar em lugar algum

Acho que vivemos nossos dias sem muita noção de que milhões de pessoas já passaram por cada coisinha pela qual nós já passamos. Muito provavelmente, até a experiência mais cabeluda que você já teve não foi algo que aconteceu pela primeira vez com alguém. No entanto, só nos damos conta disso quando topamos com uma expressão exata, seja uma fala, um registro escrito, ou qualquer outra coisa, de algo que já sentimos.


Foi o que aconteceu numa recente aula de Literatura. Tudo o que eu queria fazer era ficar parada, ouvindo as músicas que me ajudam a criar lindas fantasias na minha cabeça, mas eu tinha que continuar fazendo o que deveria fazer. 


Naquela aula, tantas partes da vida de outras pessoas, e as dores que as acompanharam, foram expostas e analisadas largamente, que eu percebi que mesmo sem poder permitir que a minha subjetividade se espalhasse para fora de mim, eu não estava me esquivando de nada do que sentia, eu sabia de tudo.


Eu sabia que estava exausta, e como era frustrante que toda essa energia nem sempre fosse gasta para correr exatamente na direção da aprovação no vestibular. Eu também sabia que havia descoberto a existência de pessoas que fazem a gente querer viver. E logo eu poderia colocar meu fone de ouvido e imaginar que elas pudessem ficar comigo por mais tempo do que realmente podem.


Sinto que deveria explicar melhor o que quero dizer com isso... eu espero que você não me leve a mal se eu disser que... bem, eu não costumo fugir das minhas obrigações, pelo menos não por muito tempo. Mas há momentos em que é simplesmente muito difícil fazer qualquer coisa, que não seja me lamentar por... não ser amada romanticamente? 


Deus, sinto-me muito, muito idiota toda vez que essa frase sai da minha boca, mas é que... já faz tempo que eu sei como é quando você tem 10 anos e outra criança de 10 anos pela qual você tem uma paixonite corresponde seus sentimentos. Você se sente especial, como as princesas dos filmes parecem se sentir, e blá blá blá. Mas esse ano eu descobri uma nova forma de se sentir especial. Na verdade, descobri uma forma se sentir algo mais essencial do que especial: se sentir apto para fazer qualquer coisa, para viver a vida que lhe foi dada, quando tem-se sentido só na maior parte do tempo. 


Essa forma consiste em lembrar-se daquela pessoa que, toda vez que te olha, não só te enxerga, mas te vê. A minha pessoa parece ver o quanto me esforço para fazer meu melhor nas coisas que devo fazer; o quanto eu gostaria que todas as pessoas pudessem se sentir amadas e reconhecidas; e talvez ela gostasse de viver comigo num mundo em que poderíamos ser majoritariamente meláncolicos, mas também enérgicos na arte de viver, transbordando gentileza ininterruptamente.


O problema é que eu nem sempre consigo sustentar essas fantasias… em alguns momentos, quando me sinto só, parece que tudo está errado, há tempo demais. Parece que a ausência da pessoa mencionada tem qualquer motivo, exceto a possibilidade de que simplesmente não seja o momento certo para que ela esteja aqui. Quando isso acontece, o desespero me cega e eu me pergunto: para qual direção dar o próximo passo quando não se quer estar em lugar algum? 


No mais recente desses momentos, passei bastante tempo em silêncio. Nem foi tanto assim, mas, para uma matraca crônica como eu, foi bastante. Eu não queria falar e nem ouvir mais nada: para quê? Não havia mais um farol para perseguir, nem eixo para girar em torno. É engraçado como é fácil deixarmos de acreditar que nossos esforços valem a pena. Engraçado também eu ter me lembrado só agora de uma coisa que aprendi há tempos: tudo depende da perspectiva.


Talvez passemos uma vida inteira morando ao lado do amor da nossa vida, mas sentindo-nos sós todos os dias, porque somos curitibanos e não estamos habituados a dar bom-dia no elevador. E também pode ser que demos vários bom-dias, mas isso também nunca dê em nada, e então só temos que lidar com isso.


Acho que é uma fase. Uma fase que a Julia do futuro vai achar curta, mesmo que daqui de dentro do furacão ela pareça infinita.


Eu ainda acho fútil isso de evocar minha pessoa de vez em sempre. Mas eu de fato só voltei a falar depois que aceitei que precisava que ela "voltasse", em mais uma fantasia. De repente, depois que a imaginei sentando-se ao meu lado, eu comecei a, sozinha, no chão frio, me sentir confortável.


Agora eu sei para onde dar o próximo passo quando não se quer estar em lugar nenhum. E a certeza, é claro, veio mais uma vez da identificação com o outro. Naquela aula de Literatura, ao rebater nervosamente seus pensamentos negativos, com um enérgico lembrete - "lá sou amigo do rei..." - o poeta me corfimou: não há do que se envergonhar. Às vezes, para adiar o abismo, brinca-se de ilusionismo.

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