Tudo (?)
Depois da confusão, você decidiu que não sofreria naquela noite. Desceu as escadas e, meio tonto pelas luzes coloridas que varriam a festa, avistou uma garota no balcão.
Ela tinha cachinhos loiros, perfeitamente enrolados, estava com uma camisa preta de botão, estampada com uns desenhos coloridos, comprida o suficiente para cobrir metade do shorts jeans, e calçava um par de vans. Ela conversava com o barman e tinha o sorriso mais lindo que você já viu. Talvez você até pudesse dizer que era mais bonito do que o meu, se conseguisse se lembrar dele.
Vocês dançaram e dançaram e já não havia espaço para aquela sensação ruim, ou qualquer coisa ruim, só risadas. Estamos vivos! Como só percebi agora? Ela é tão confiante, tão livre, leve, e você sente que pode fazer qualquer coisa enquanto ela estiver ali.
Se vocês ficaram até o amanhecer, se você comeu um pastel vegano pela primeira vez depois da festa, se ela te deu o número dela, ou ainda, se ela foi para a sua casa, e se ainda estava lá quando você acordou, aí você só vai descobrir daqui uns anos, quando me vir naquele balcão.
…
Em "A história mais velha do mundo", uma das músicas da banda O Terno, Tim Bernardes diz que tudo o que queremos é amar e sermos amados e, ao mesmo tempo que é bom se sentir tão representado, é um pouco angustiante saber que todo mundo (ou quase todo mundo) sente a mesma coisa.
Talvez eu esteja sendo até um pouco egoísta ao dizer isso, mas não consigo evitar: cadê a originalidade? Eu sou um ser específico, preso a um planeta específico, procurando em lugares específicos uma satisfação específica. Qual a graça de viver tudo isso, começar, terminar, de novo e de novo?
Bem, em qualquer época do passado eles também não sabiam o que estavam fazendo, mas o que fizeram definiu nosso presente, e é estudado nas escolas. Se eu respeito o que sei sobre a vida dos meus pais, das outras pessoas e artistas de quem gosto e admiro, consigo imaginar a alegria que já sentiram, e sinto que ela faz todo o resto valer a pena, por que não posso fazer isso comigo também?
Muitas vezes penso em escrever, colocar tudo, todos os meus comentários, pensamentos e contradições em um só texto, para que essas coisas parem de pairar sobre mim, me atormentar. Talvez se eu as enfrentasse de uma vez por todas, refutasse meus questionamentos com as minhas atuais certezas, e aceitasse as coisas que não posso mudar…
E talvez aprender a fazer isso, viver sua totalidade, seja a beleza da vida. Sei que cometi muitos erros, mas o fato de agora entender por que foi errado, mostra que aquilo já não é mais meu. O máximo que posso fazer é pedir perdão às pessoas que machuquei, e me esforçar para não fazer isso de novo.
Um dia desses eu fiz o exercício de imaginar como eu gostaria de estar depois do ensino médio. O que vi foi a garota que descrevi acima, e sim, ela é só mais uma garota que concluiu o ensino médio, mas ela usa as roupas que eu gostaria de usar, diz o que eu acho que é certo dizer, da maneira que eu gosto de ouvir as coisas. Assim, quando me desvinculo do que fiz e falei, sobra apenas aquilo em que eu acredito mesmo, e em todas as vezes que chego nesse ponto, caro leitor, eu paro por aí. E é sim, suficiente.
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